terça-feira, 19 de junho de 2012

Da Observação à Contemplação

Quantas não foram as vezes que dissemos para nós mesmos que somos seres despertos, seres que deixaram a ignorância de uma vida virada para as coisas materiais e passaram a se interessar por temáticas espirituais, sem nos apercebermos que o verdadeiro despertar não vem do interesse que possamos ter neste tipo de assuntos, nem nas práticas ou técnicas que possamos praticar, mas sim no sentir do pulsar da Vida em tudo aquilo que nos cerca. Poderemos saber tudo de espiritualidade, praticar todas as técnicas existentes e sermos alguém tão adormecido quanto aqueles que se ocupam apenas de coisas materiais.
Sentir e perceber essa Vida que pulsa em tudo, e com essa percepção, podermos dizer, finalmente, que somos seres despertos, significa colocar toda a nossa atenção no momento presente e em tudo aquilo que ali acontece, sem deixar que a mente se disperse nas memórias daquilo que foi ou nas projecções daquilo que o nosso desejo pretende que seja. Trazer toda a nossa atenção para aquele instante, tornando-nos verdadeiramente conscientes, é o único caminho para o Despertar Espiritual. Não existe outro. É ali que nós percebemos pela primeira vez o que é estar num espaço tridimensional, pois até então, enquanto adormecidos, nos relacionávamos com esse espaço como se este fosse bidimensional.
Quando nós olhamos para uma paisagem num quadro, por exemplo, de imediato nos apercebemos da tridimensionalidade dos elementos apresentados através da perspectiva que o pintor usou ao elaborar a sua obra. Temos uma noção clara dos elementos que estão mais próximos e dos que estão mais afastados, contudo, essa noção de tridimensionalidade é uma ilusão criada pela nossa mente, pois num quadro, não existindo espaço entre os objectos e, por isso mesmo, estando todos num mesmo plano, nada é tridimensional.
O mesmo acontece quando observamos o mundo que nos cerca. Ao nos colocarmos diante de uma paisagem, por exemplo, a nossa mente, tal como quando estamos diante de um quadro, cria em nós a noção de tridimensionalidade através da perspectiva dos elementos dentro do espaço que está diante de nós. Uma vez mais estamos condicionados por uma reacção mental sem que possamos penetrar verdadeiramente naquilo que estamos a observar. Assim sendo, tudo em torno de nós, tal como num quadro, se apresenta como sendo bidimensional, pois aqueles elementos observados ficam como se estivessem todos num mesmo plano.
Para sair deste vício e começarmos a perceber verdadeiramente o espaço tridimensional que nos envolve, temos que trazer toda a nossa consciência para o momento presente e colocar de forma integral a nossa atenção naquilo que estamos a observar. É exactamente aqui que deixamos o estado de observação e penetramos no estado de contemplação.
Na contemplação nós percebemos o espaço tridimensional não mais através da mente e, por isso, a noção de perspectiva é irrelevante. Nós percebemos que esse espaço é tridimensional porque pela primeira vez tomámos consciência do vazio que separa cada elemento observado. Os objectos, por sua vez, que na observação têm apenas realidade para nós na face que está exposta para os nossos olhos, na contemplação passam a ter uma realidade completa e integral. Nós percebemos esse objecto na sua totalidade, tanto a parte visível como aquela que se oculta do outro lado. Ele é um todo que se relaciona com os outros através da respiração deixada pelo espaço vazio que está entre cada elemento, espaço esse que está totalmente presente na nossa consciência pela atenção integral que colocamos naquilo que observamos.
Estar inteiro no momento presente com a atenção totalmente focada no objecto, o que significa desactivar a mente de toda ou qualquer expressão, é penetrar no domínio da contemplação que, na verdade, é a única invocação verdadeira para que o nosso Ser Interno se possa expressar. É pela contemplação que Ele acontece no mundo através de nós.
Que não julguemos, no entanto, que contemplar é fugir da realidade do mundo, bem pelo contrário. Contemplar é dar realidade ao mundo, pois trazemos para a nossa consciência a Vida que pulsa em cada átomo que nos envolve, fundindo-nos com tudo. E isto que parece algo tão distante de nós, está, na verdade, ao alcance de todos e esta é a grande ironia que a Vida nos deixa, mostrando-nos como tudo pode ser tão simples.
Geralmente buscamos o Ser Interno das mais variadas formas, através dos mais variados métodos. Desejamos que um dia este possa expressar-se livremente através de nós e, motivados por esse desejo, empreendemos uma longa viagem pelos mais variados caminhos da expressão espiritual e suas múltiplas técnicas, contudo, a solução para que isso aconteça não está em nenhuma dessas coisas, mas sim AQUI. Está nesse vazio que tudo unifica, aqui mesmo, diante dos nossos olhos. E embora a solução seja simples, continuamos a não a ver, buscando os caminhos mais longos, mais complexos, mais elaborados. O segredo está exactamente em trazer a nossa consciência, através da atenção plena, para tudo aquilo que observamos, e aí, através dessa invocação, podermos abrir um conduto para que o nosso Ser Interno possa finalmente permear a substância dos nossos corpos e activar esse Fogo no centro do peito como núcleo irradiador do verdadeiro Amor.
Um dia, a contemplação não será mais um acto esporádico, mas permanente. Tudo o que vemos, fazemos, será feito com a consciência totalmente presente, através da atenção, no único momento que realmente existe que é o AGORA. E aí, o nosso Ser Interno poderá estar sempre connosco. Mas enquanto isso não acontece, enquanto esse estado contemplativo não for, para nós, como é o acto de respirar, algo natural, espontâneo, sem que nos tenhamos de ocupar com isso, podemos usá-lo como um exercício de invocação do Ser Interno, para que, aos poucos, possamos começar a sentir a Vida que está em Tudo.
E o exercício que proponho - um exercício simples que poderá, sem grandes métodos ou técnicas, ajudar a trazer para a nossa consciência tridimensional, mesmo que apenas por alguns instantes, aquilo que somos internamente -, consiste em nos deslocarmos até um lugar que nos seja agradável, embora a contemplação seja para ser vivida na integralidade da nossa vida, e por isso, em tudo aquilo que fazemos e em todos os lugares por onde passamos. Estando nesse lugar, que percebamos como nos temos relacionado com o mundo como se este fosse bidimensional, pois não tendo percebido esse espaço entre as coisas, é como se tudo estivesse num mesmo plano, sem respiração.
Tendo essa noção, comecemos por silenciar a nossa mente, trazendo-a para o momento presente, onde esta deverá ficar quieta, sem interpretar nada daquilo que iremos viver em seguida. Coloquemos então toda a nossa atenção, toda, naquilo que estamos a observar. Percebam tudo o que ali está: a textura, a espessura, a cor, o movimento e, ao mesmo tempo, não percam nunca a noção do espaço circundante. Façam como os mestres de artes marciais que, focalizando um adversário, conseguem ao mesmo tempo estar conscientes de todo o espaço circundante e assim não perdem de vista os restantes adversários, mesmo não os olhando directamente. Percebam o todo e, ao mesmo tempo, fundam-se com cada parte. Podem ficar parados num mesmo lugar enquanto observam tudo em torno de vocês, ou podem caminhar por esse espaço.
Se a vossa mente estiver silenciosa e não tentar conduzir o processo, e se nada for analisado a respeito do mesmo, vocês começarão a penetrar na Vida que ali está a pulsar, percebendo o espaço vazio entre os objectos. É aqui que saímos da observação para a contemplação. É como se estivéssemos diante de um quadro, que é bidimensional, e de repente, num instante, este se transformasse num holograma saindo para além dos limites da moldura.
Poderá ser que por algum tempo não consigam penetrar nessa Vida que pulsa em cada átomo, e assim entrar no estado de contemplação. É como nos estereogramas. Quantas horas não ficámos nós diante daquela folha de papel onde só existia ruído, mesmo que nos dissessem que ali estava uma imagem, sem que nada acontecesse. E de repente, num único instante, para nosso espanto, os nossos olhos fizeram aquele movimento necessário e como que por magia a imagem surgiu do meio desse ruído. É um pouco assim.
Fiquem diante dessa paisagem. Por alguns momentos, a vossa mente não vos dará tréguas, tentando fugir ou para o futuro ou para o passado. Mas tragam-na sempre para o momento presente e impeçam que esta se pronuncie sobre o que está a acontecer. Quando menos esperarem, tal como nos estereogramas, a imagem sairá do meio do “ruído” e vocês entrarão em contemplação. Quando isso acontecer, o vosso Ser Interno imediatamente se fará presente. Sentirão uma paz e uma leveza permearem cada átomo do vosso corpo e no centro do vosso peito um Fogo se fará presente. Esse Fogo é Amor Puro, irradiando para tudo e para todos.
E é exactamente aqui que o verdadeiro despertar acontece.

Paz Profunda,
Pedro Elias